Série Cerveja e Saúde – Verdades e Mitos
Por Dr. Pedro Veronese, médico, beer sommelier e mestre em estilos cervejeiros
Cerveja pode ser mais eficaz que paracetamol no alívio da dor?
A revista Veja e alguns blogs sobre cerveja publicaram, há cerca de um mês atrás, uma matéria que afirmava: cerveja é melhor do que paracetamol para dor! Como o pessoal do ICB ama cerveja, mas também ama divulgar conteúdo sobre o universo cervejeiro com todo o rigor técnico e científico….lá fui eu averiguar os fatos.
Realmente em maio de 2017, pesquisadores americanos e ingleses publicaram um artigo científico sobre os efeitos analgésicos do álcool. Na verdade, não foi um estudo novo sobre o tema, mas sim, uma revisão sistemática de várias pesquisas já publicados, a maioria nas décadas de 80 e 90.
Mas como assim? Por que trabalhos tão antigos geraram uma notícia tão recente? Em medicina é assim, quando há vários estudos sobre um determinado assunto, mas sem uma conclusão definitiva, um grupo de pesquisadores pode fazer um levantamento de todos esses artigos científicos (na linguagem médica diz-se revisão sistemática) e fazer uma análise levando em consideração todos os pacientes desses trabalhos e não avaliando cada um deles separadamente (um desenho de estudo científico conhecido como meta-análise).
Antes de tudo, um pouco da história da Medicina
Antes de falar do trabalho propriamente dito, gostaria de contar um pouquinho sobre a história da medicina.
A primeira cirurgia realizada com anestesia foi em 1846, quando o dentista William Thomas Green Morton em Boston, utilizando éter, fez um paciente ser submetido à extração de um tumor sem nenhuma dor.
Antes disso, ainda na Idade Média, era frequente se embriagar um paciente para a realização de uma cirurgia. Já naquela época, conhecia-se o poder analgésico do álcool.
Voltando ao assunto…
Há cerca de 2 meses atrás, um grupo de pesquisadores publicou um estudo chamado: Efeito analgésico do álcool: Uma revisão sistemática e meta-análise de estudos experimentais controlados em participantes saudáveis (Analgesic Effects of Alcohol: A Systematic Review and Meta-Analysis of Controlled Experimental Studies in Healthy Participants).
Alguns pontos importantes deste trabalho científico:
1. Não haviam doentes nestes estudos. Apenas voluntários saudáveis.
2. Foram avaliados 404 indivíduos em 18 estudos.
3. Em 5 desses estudos os participantes receberam etanol na veia, portanto não ingeriram qualquer tipo de bebida alcoólica.
4. Nos outros 13 estudos, os voluntário ingeriram, na sua quase totalidade, destilados misturados com suco.
5. Em nenhum destes estudos se comparou cerveja com paracetamol.
Então quer dizer que em nenhum desses estudo se testou cerveja? Pasmem caros leitores, mas a resposta é que cerveja NÃO foi testada nestes experimentos.
Mas o que exatamente esse estudo mostrou?
Ele revelou algo que já se suspeitava desde a Idade Média, mas ainda sem comprovação científica. Indivíduos que receberam etanol (tipo de álcool produzido pela fermentação do mosto cervejeiro), tiveram uma menor percepção da dor. E mais, que o etanol aumentou o limiar de dor, ou seja, sob o efeito do etanol, o mesmo estímulo doloroso é percebido de forma menos intensa. Na média esses indivíduos ingeriram cerca de 3-4 drinks.
Concluo, que o etanol, álcool encontrado nas cervejas, tem sim propriedades analgésica, assim como o paracetamol. Esse efeito pode explicar o uso abusivo do álcool por alguns pacientes com dores crônicas.
Lembro também, que o álcool tem um efeito analgésico ainda mais potente em doses tóxicas, portanto muito acima das recomendadas pela Organização Mundial da Saúde.
Desta forma, o uso moderado de cerveja (2 latas para homem – 30 a 40g) ou (1 lata para mulher – 15 a 20g) tem efeito analgésico e relaxante.
Por isso, beba com moderação, beba menos, beba melhor!
Referência:
1. Trevor Thompson, Charlotte Oram, Christoph U. Correll,y,z Stella Tsermentseli, and Brendon Stubbs. Analgesic Effects of Alcohol: A Systematic Review and Meta-Analysis of Controlled Experimental Studies in Healthy Participants. The Journal of Pain, Vol 18, No 5 (May), pp 499-510, 2017.
Fonte: Instituto da Cerveja